Sab 04 Junho 2011
Hoje o dia está cinzento. Mas não chove. Saio de Ullappol com um frio de rachar. Rumo ao Sul. Já estou com saudades de sol. Ontem à noite liguei para casa e a família estava a planear ir à praia. Aqui também há praias, mas apenas para fotografar. São tão húmidas que o vento nem levanta a areia.
As placas aqui têm nomes estranhos. Gaélico incompreensível. Tal como a pronúncia dos escoceses. Indecifrável, aparentemente até para os ingleses. Cada vez que falo com alguém tenho de pedir para repetir. Mais de uma vez.
Atravesso o Beinn Eighe, uma cordilheira de montanhas desertas. Mais uma vez por uma estrada estreita, onde só passa um carro de cada vez. É fenomenal. Ninguém à vista, deserto de gente. Apenas se vêm alguns carros estacionados de caminheiros que andam a explorar os montes.
Mesmo sem mar à vista, há água por todo o lado. Os lagos (Lochs) sucedem-se. Ao descer para sul, a paisagem está menos agreste, mais verde, muitos prados. A estrada serpenteia pelos montes, estreita, escorregadia, desce aos vales. Continuo sem ver ninguém. De vez em quando cruzo com uma auto-caravana. E carneiros e ovelhas, os únicos espectadores da minha viagem.
Já me têm dito que é estranho viajar sozinha. Pois eu não penso assim. Acho que depende do país, do destino, do percurso. Ali mais à frente há vilas, há gente, há um país inteirinho com milhões de habitantes. Cá em cima há silêncio. Com tanto horizonte pela frente, os olhos tão cheios de paisagem, a paz que se sente, parada a ouvir o vento, não dá tempo para pensar que estamos sozinhos. A solidão não está à nossa volta, mas pode estar dentro de nós. À minha volta sinto vida, sinto a natureza a palpitar. Faço parte do mundo, sinto a energia da terra, nunca estou só.
Finalmente chego à Ilha de Sky. A famosa ilha que todos falam. Entra-se por uma ponte moderna. Faço umas dezenas de km lá dentro. O que vejo já não me admira. È a mesma paisagem, fantástica mas não me surpreende. Para quem vem do sul, a ilha de Sky é uma primeira aproximação da paisagem das terras altas. Deslumbrante para quem chega da civilização. Mas para quem correu o Norte, as terras agrestes lá do alto, a ilha de Sky não é novidade.
Decido voltar para sul e parar no famoso Eilean Donan Castle, o castelo mais conhecido da Escócia, onde foi filmado aquele filme do homem que nunca morria. Do parque de estacionamento tem-se uma vista total sobre o castelo, que realmente é lindo. O preço da visita ao interior é feio. Fico por ali a ver filas enormes de turistas a descer de camionetas e a seguir os guias pela ponte que dá acesso ao interior. Eu e mais umas dezenas de motociclistas a pensarmos nos litros de gasolina que podemos gastar com o preço da entrada.
Em Invergarry procuro alojamento. Há muitos B&B ao longo da estrada. Paro num e pergunto se tem quartos disponíveis. São 40 libras. Recusei polidamente com a desculpa de ser ainda longe da cidade e não haver restaurantes. A simpática senhora disse que podia fazer jantar. Eram apenas mais 30 libras. Arregalo os olhos de espanto. Nem preciso dizer mais nada. Ela faz um sorriso de entendedora.
Vou até Fort Augustus. Sei que há lá uma pousada. É fácil de encontrar, logo à entrada da vila. Está dentro de um parque de campismo, é nova e custa apenas 17 libras. Mais dentro de orçamento. Mas continuo com o problema de arranjar jantar. Pego na moto e vou até ao centro. Restaurantes, muitos, menus caríssimos. Vejo uma casa de Fish and Chips. Ainda não experimentei. Vou ver.
Ainda não entrei e já cheira a óleo. Um balcão corrido cheio de fritadeiras. Parece que só vendem batatas fritas. Ponho os óculos e vejo o menu. Para além do peixe frito, descubro salsichas (fritas, claro). Peço uma dose. Pago 4 libras e espero pela minha vez. O empregado vem-me perguntar se quero sal e molho de vinagrete. Depois de ver os quilos de sal que ele estava a pôr nos outros pedidos, digo-lhe que não. Ele pergunta porquê? Digo-lhe que faz mal à saúde. Ri-se muito e dá-me uma dose de batatas fritas e salsichas “saudável”. Todos se riem.
À noite, faço um pic-nic na cozinha da pousada. Nem consigo comer metade das batatas, tal é o tamanho da dose. Aparece uma rapariga canadiana que anda a passear de bicicleta. Chegou tarde e já estavam os restaurantes todos fechados, até o take away. Ofereço-lhe as batatas fritas. A fome deve ser muita pois devora as batatas todas. Ficamos à conversa até tarde.
Dom 05 Junho 2011
De manhã ainda cheiro a óleo. Está frio, nevoeiro, o céu cheio de nuvens ameaça chuva. Vou até ao centro de Fort Augustus. Ontem não tive tempo de visitar a cidade e o Caledonian Canal, um canal que faz a ligação entre o Lock Ness e o Loch Lochy (que juntamente com o Loch Oich dividem as Highlands das Lowlands). Chego ao centro e apanho uma fila de carros enorme. A ponte está levantada para os barcos passarem de um lago para o outro. Estaciono mesmo junto ao canal e vou fotografar as comportas a abrir e a encher de água. Fico por ali ainda uma hora a apreciar a obra de engenharia.
Estou no extremo sul do Loch Ness e, claro, não podia deixar de fotografar o famoso lago que é igual a todos os outros por onde passei. A diferença é que este tem uma Nessie, motivo de visita por muitos turistas na esperança de tomarem um chazinho com o monstro. Deve ser um negócio rentável a avaliar pela quantidade de barcos que anunciam cruzeiros pelo lago.
Sentada num café à espera que a ponte abra, lembro-me que ainda não vi nenhum escocês de saia. Estou bem no meio da Escócia, já dei a volta lá por cima e nada. Os únicos homens de kilt que vi foi nos postais ilustrados … jeitosos para enviar às amigas.
Nem a propósito, olho para o lado e está a entrar no café um senhor com um kilt vestido. Vou a correr atrás dele e peço para tirar uma foto. Explico que já dei a volta à Escócia e é o primeiro kit que vejo. Já andava desanimada. Ele riu-se e divertido disse que já não há homens como antigamente. Pousou para a foto. Pronto, já tenho uma prova que eles existem.
Isto de fazer férias contadas é muito ingrato. Uma frustração gigantesca. Quando se anda a viajar, duas semanas de férias parecem 5 minutos. Tanto mundo para descobrir, tanta gente para conversar, tanto espaço para respirar. Mas o tempo está limitado, há que fazer opções. Tenho dois dias para chegar ao porto de embarque para a Ilha de Man. São cerca de 600 km mas ainda quero passear. E evitar auto-estradas. E passar por alguns sítios que me despertaram a atenção quando andava a navegar na Internet a planear a viagem. Aqui mais a Sul está Oban, a Ilha de Mull e a estrada da costa até Glasgow. De certeza haveria muito para ver. Foi difícil, muito difícil, tomar a opção de cortar pelo interior. Mas tem de ser. Não se pode ter tudo. Mas gostava. Oh se gostava.
A seguir a Fort William, atravesso o Glen Coe. A atmosfera está cinzenta. Na montanha está um frio de rachar, uma chuva miudinha que ora cai ora não. Nevoeiro cerrado. O Ben Nevis (a montanha mais alta das Ilhas Britânicas) está tapada de nuvens, a humidade entra pelas poucas frinchas dos punhos e gola do casaco. Já não sei se vir por aqui foi boa decisão. Não paro de pensar se pela costa não estará melhor. É o dilema de sempre. Quando não nos agrada, pelo outro lado era capaz de ser melhor. Mas já que estou aqui, em frente é o caminho.
Finalmente começo a descer as Grampian Mountains. O tempo abre e o sol aparece. A estrada corre para o vale, transforma-se num percurso lindo, sempre a acompanhar o lago. Vou admirando a paisagem. De repente vejo outra seta a dizer – Castelo. Viro para uma estrada estreita e sem saber como vou parar ao terminal do comboio do Harry Potter. Lá me enganei outra vez. Ainda bem. Volto para trás, viro para o outro lado e encontro o castelo, em ruínas.
Ao chegar a Tyndrum avisto o Welly Stop, o café que é ponto de encontro dos motociclistas da região. Umas dezenas de motos no estacionamento. Vou ver o que se passa. Vejo uma tenda com posters de motos. Está a decorrer uma acção de prevenção rodoviária para motociclistas, organizada pela IAM (http://www.iam.org.uk/) com o apoio da polícia.
Pergunto se posso tirar uma foto. Já tinham reparado na miúda que estacionou a moto do outro lado da estrada com um “P” colado na mala. Vens de Portugal? (este “P” faz milagres – obrigada João Krull). Conversa puxa conversa a acabo a experimentar as motos dos polícias.
Mais abaixo, a caminho do Loch Lomond aparece o Drovers Inn (http://www.thedroversinn.co.uk/), considerado o Pub mais antigo da Escócia, é um local onde ainda hoje há fantasmas e histórias. O interior é fantástico, dizem que está tal e qual como há séculos atrás. É também um hotel onde os fantasmas se divertem a pregar sustos aos hóspedes. Fantasmas, não encontro, mas o urso ainda cá está.
Por hoje acabou o passeio. Tenho de ir dormir mais a Sul para amanhã conseguir chegar à hora de almoço a Barrow. Sigo em direcção a Glasgow e apanho a auto-estrada. Começa a cair uma chuva miudinha. E vento. Já se torna desagradável passear. Vou indo para Sul, até aguentar. A chuva é cada vez mais forte e o frio cada vez mais frio. Está na hora de parar e encontrar alojamento. Desta vez fico por um Hotel de auto-estrada.
Depois e me instalar, vou à estação de serviço procurar óleo de corrente. Anda a fazer um ruído esquisito. Tinha trazido a lata de óleo que estava lá em casa mas descobri que estava no fim. Deu para por uma vez e depois, lixo. Vou tentar comprar uma, tantos km feitos e a corrente já dá sinais de cansaço.
Pois é, não há e nem vendem. Um funcionário, o Robert, também ele motociclista diz que só nos stands de motos é que vendem. A minha cara de aflita levou-o a perguntar se era grave. Digo-lhe que a corrente faz uns ruídos estranhos. Então diz que sai de serviço às 11 horas e que vai a casa buscar óleo de corrente para ajudar. E assim foi. Às 11h estou eu à porta da gasolineira e ele diz – já venho. 15 min depois aparece com o óleo. Vamos até ao Hotel onde tinha a moto parada mesmo à porta da recepção. O porteiro deixou pô-la no átrio para ficar mais segura. Lubrifica-se a corrente. Nem tenho palavras para agradecer. Ele vira-se para mim e disse – os motociclistas são mesmo assim !!!
Esta vida é um suceder de surpresas a solidariedade motociclista é demais, fantástica.
Cá está a foto do Robert, tirada pelo porteiro do hotel.
Seg 06 Junho 2011
No barco para Inglaterra um inglês com quem estive à conversa disse – ninguém vai a Barrow-in-Furness. Pois eu fui. E não me arrependi. Tinha combinado visitar o David e a Pauline, Amigos da Mónica Salgado (a minha Amiga motard que tem uma scooter eléctrica e num ano já fez mais de 10.000 km a electrões) que tiveram a gentileza de me arranjar alojamento na Ilha de Man. A pedido deles, levo uns pacotes de chá açoriano – Gorreana – que eles adoraram quando estiveram nos Açores. O caminho para lá atravessa o Lake District. Fabuloso. Quando não se espera, as surpresas sucedem-se. Na primeira paragem, em Penrith, descubro uma cidade lindíssima.
Depois, e sem ter planeado, atravesso uma passagem fantástica - Kirkstone Pass – Esta parte das Midlands não é tão agreste como a Escócia. Por entre as montanhas, a paisagem é verde, suave. Nos vales, as ovelhas animam os campos verdejantes. Florestas e casas em pedra fazem lembrar o Norte de Portugal.
Mais uma pequena cidade, mais uma agradável surpresa. Já me perdi várias vezes e falhei locais que pensava visitar. Mas encontrei outros. Uma paragem em Windermere e dou com uma cidadezinha deliciosa, casas antigas, very british. Passeio um pouco pelas ruas a ver o movimento, a ver as pessoas. O estômago dá horas. É tempo de almoçar, o menu dos poupadinhos nas pastelarias. Ando doida com as pastries, cada dia experimento uma diferente. São baratas, estão quentinhas e são deliciosas.
Uma hora depois chego à casa do David e da Pauline. Recebem-me com calor, contentes. Um casal que transpira bondade, amizade. Estão já na casa dos 70 anos. Foram motociclistas e também viajantes. A Pauline nasceu na Ilha de Man, conhecem a ilha aos palmos. Prepararam um mapa de Douglas, desenhado a lápis, com a direcção para a casa do Steve e da Jen, os Amigos deles que me vão receber na Ilha. A seguir oferecem-me um mapa da ilha, com o circuito das corridas marcado a vermelho e pequenos post-it colados nos melhores locais para assistir às corridas. E vários panfletos da ilha e um livro com a história das corridas. Passo aqui a tarde a ouvir histórias da Ilha de Man e a planear no mapa os melhores locais para assistir às corridas. O tempo passa num instante, a conversa não acaba. Eu gosto de conversar e eles também. Não me deixam partir sem jantar. Fazemos as contas às horas e dá para chegar a Heysham ainda de dia. Por aqui há luz até às 10h da noite. Tenho tempo de jantar e partir sem ter de conduzir às escuras.
O único ferry onde consegui reserva é às duas da manhã. Depois de uma centena de km ao pôr-do-sol, até Heysham, chego ao pequeno porto. Não está ninguém. Portas fechadas. Fez-me lembrar o aeroporto de Bissau que só abre quando chegam aviões. Por aqui também, mas são barcos. São nove da noite e ainda tenho um par de horas de espera. Estou gelada. Devem estar uns 5 graus. Saio do porto à procura de um lugar onde passar o tempo. Nem sei onde pois atravessei a pequena cidade sem ver ninguém. Logo na primeira rotunda há um Pub. Com a preocupação de encontrar o cais de embarque nem tinha reparado. Nem hesito, só penso que deve estar quentinho lá dentro. Vou fazer tempo e tomar um chá.
Toca o sino. São onze horas, tempo da última bebida. Sentada ao balcão, com o meu livro de notas, vou descarregando em letras os últimos dias de viagem. O Pub vai fechar e eu vou até ao porto ver se já abriu. Já lá estão meia dúzia de motos. Dão ordem para entrar no cais de embarque. Depois são 2 horas à espera para entrar no barco a ver um sem número de camiões de mercadorias a entrar no porão. Nunca mais acabam de entrar. Adormeço sentada em cima da moto. Acordo no chão. Caio eu e a moto. Nada de muito grave. As minhas malinhas novas, amachucadas. Ainda bem que são de alumínio. Se fossem de plástico, tinham-se partido. Andava o resto da viagem embrulhada em fita adesiva. Tenho tanto sono que nem me consigo aborrecer. Mais tarde penso nisso. A Ilha de Man está cada vez mais perto.
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Hoje o dia está cinzento. Mas não chove. Saio de Ullappol com um frio de rachar. Rumo ao Sul. Já estou com saudades de sol. Ontem à noite liguei para casa e a família estava a planear ir à praia. Aqui também há praias, mas apenas para fotografar. São tão húmidas que o vento nem levanta a areia.
As placas aqui têm nomes estranhos. Gaélico incompreensível. Tal como a pronúncia dos escoceses. Indecifrável, aparentemente até para os ingleses. Cada vez que falo com alguém tenho de pedir para repetir. Mais de uma vez.
Atravesso o Beinn Eighe, uma cordilheira de montanhas desertas. Mais uma vez por uma estrada estreita, onde só passa um carro de cada vez. É fenomenal. Ninguém à vista, deserto de gente. Apenas se vêm alguns carros estacionados de caminheiros que andam a explorar os montes.
Mesmo sem mar à vista, há água por todo o lado. Os lagos (Lochs) sucedem-se. Ao descer para sul, a paisagem está menos agreste, mais verde, muitos prados. A estrada serpenteia pelos montes, estreita, escorregadia, desce aos vales. Continuo sem ver ninguém. De vez em quando cruzo com uma auto-caravana. E carneiros e ovelhas, os únicos espectadores da minha viagem.
Já me têm dito que é estranho viajar sozinha. Pois eu não penso assim. Acho que depende do país, do destino, do percurso. Ali mais à frente há vilas, há gente, há um país inteirinho com milhões de habitantes. Cá em cima há silêncio. Com tanto horizonte pela frente, os olhos tão cheios de paisagem, a paz que se sente, parada a ouvir o vento, não dá tempo para pensar que estamos sozinhos. A solidão não está à nossa volta, mas pode estar dentro de nós. À minha volta sinto vida, sinto a natureza a palpitar. Faço parte do mundo, sinto a energia da terra, nunca estou só.
Finalmente chego à Ilha de Sky. A famosa ilha que todos falam. Entra-se por uma ponte moderna. Faço umas dezenas de km lá dentro. O que vejo já não me admira. È a mesma paisagem, fantástica mas não me surpreende. Para quem vem do sul, a ilha de Sky é uma primeira aproximação da paisagem das terras altas. Deslumbrante para quem chega da civilização. Mas para quem correu o Norte, as terras agrestes lá do alto, a ilha de Sky não é novidade.
Decido voltar para sul e parar no famoso Eilean Donan Castle, o castelo mais conhecido da Escócia, onde foi filmado aquele filme do homem que nunca morria. Do parque de estacionamento tem-se uma vista total sobre o castelo, que realmente é lindo. O preço da visita ao interior é feio. Fico por ali a ver filas enormes de turistas a descer de camionetas e a seguir os guias pela ponte que dá acesso ao interior. Eu e mais umas dezenas de motociclistas a pensarmos nos litros de gasolina que podemos gastar com o preço da entrada.
Em Invergarry procuro alojamento. Há muitos B&B ao longo da estrada. Paro num e pergunto se tem quartos disponíveis. São 40 libras. Recusei polidamente com a desculpa de ser ainda longe da cidade e não haver restaurantes. A simpática senhora disse que podia fazer jantar. Eram apenas mais 30 libras. Arregalo os olhos de espanto. Nem preciso dizer mais nada. Ela faz um sorriso de entendedora.
Vou até Fort Augustus. Sei que há lá uma pousada. É fácil de encontrar, logo à entrada da vila. Está dentro de um parque de campismo, é nova e custa apenas 17 libras. Mais dentro de orçamento. Mas continuo com o problema de arranjar jantar. Pego na moto e vou até ao centro. Restaurantes, muitos, menus caríssimos. Vejo uma casa de Fish and Chips. Ainda não experimentei. Vou ver.
Ainda não entrei e já cheira a óleo. Um balcão corrido cheio de fritadeiras. Parece que só vendem batatas fritas. Ponho os óculos e vejo o menu. Para além do peixe frito, descubro salsichas (fritas, claro). Peço uma dose. Pago 4 libras e espero pela minha vez. O empregado vem-me perguntar se quero sal e molho de vinagrete. Depois de ver os quilos de sal que ele estava a pôr nos outros pedidos, digo-lhe que não. Ele pergunta porquê? Digo-lhe que faz mal à saúde. Ri-se muito e dá-me uma dose de batatas fritas e salsichas “saudável”. Todos se riem.
À noite, faço um pic-nic na cozinha da pousada. Nem consigo comer metade das batatas, tal é o tamanho da dose. Aparece uma rapariga canadiana que anda a passear de bicicleta. Chegou tarde e já estavam os restaurantes todos fechados, até o take away. Ofereço-lhe as batatas fritas. A fome deve ser muita pois devora as batatas todas. Ficamos à conversa até tarde.
Dom 05 Junho 2011
De manhã ainda cheiro a óleo. Está frio, nevoeiro, o céu cheio de nuvens ameaça chuva. Vou até ao centro de Fort Augustus. Ontem não tive tempo de visitar a cidade e o Caledonian Canal, um canal que faz a ligação entre o Lock Ness e o Loch Lochy (que juntamente com o Loch Oich dividem as Highlands das Lowlands). Chego ao centro e apanho uma fila de carros enorme. A ponte está levantada para os barcos passarem de um lago para o outro. Estaciono mesmo junto ao canal e vou fotografar as comportas a abrir e a encher de água. Fico por ali ainda uma hora a apreciar a obra de engenharia.
Estou no extremo sul do Loch Ness e, claro, não podia deixar de fotografar o famoso lago que é igual a todos os outros por onde passei. A diferença é que este tem uma Nessie, motivo de visita por muitos turistas na esperança de tomarem um chazinho com o monstro. Deve ser um negócio rentável a avaliar pela quantidade de barcos que anunciam cruzeiros pelo lago.
Sentada num café à espera que a ponte abra, lembro-me que ainda não vi nenhum escocês de saia. Estou bem no meio da Escócia, já dei a volta lá por cima e nada. Os únicos homens de kilt que vi foi nos postais ilustrados … jeitosos para enviar às amigas.
Nem a propósito, olho para o lado e está a entrar no café um senhor com um kilt vestido. Vou a correr atrás dele e peço para tirar uma foto. Explico que já dei a volta à Escócia e é o primeiro kit que vejo. Já andava desanimada. Ele riu-se e divertido disse que já não há homens como antigamente. Pousou para a foto. Pronto, já tenho uma prova que eles existem.
Isto de fazer férias contadas é muito ingrato. Uma frustração gigantesca. Quando se anda a viajar, duas semanas de férias parecem 5 minutos. Tanto mundo para descobrir, tanta gente para conversar, tanto espaço para respirar. Mas o tempo está limitado, há que fazer opções. Tenho dois dias para chegar ao porto de embarque para a Ilha de Man. São cerca de 600 km mas ainda quero passear. E evitar auto-estradas. E passar por alguns sítios que me despertaram a atenção quando andava a navegar na Internet a planear a viagem. Aqui mais a Sul está Oban, a Ilha de Mull e a estrada da costa até Glasgow. De certeza haveria muito para ver. Foi difícil, muito difícil, tomar a opção de cortar pelo interior. Mas tem de ser. Não se pode ter tudo. Mas gostava. Oh se gostava.
A seguir a Fort William, atravesso o Glen Coe. A atmosfera está cinzenta. Na montanha está um frio de rachar, uma chuva miudinha que ora cai ora não. Nevoeiro cerrado. O Ben Nevis (a montanha mais alta das Ilhas Britânicas) está tapada de nuvens, a humidade entra pelas poucas frinchas dos punhos e gola do casaco. Já não sei se vir por aqui foi boa decisão. Não paro de pensar se pela costa não estará melhor. É o dilema de sempre. Quando não nos agrada, pelo outro lado era capaz de ser melhor. Mas já que estou aqui, em frente é o caminho.
Finalmente começo a descer as Grampian Mountains. O tempo abre e o sol aparece. A estrada corre para o vale, transforma-se num percurso lindo, sempre a acompanhar o lago. Vou admirando a paisagem. De repente vejo outra seta a dizer – Castelo. Viro para uma estrada estreita e sem saber como vou parar ao terminal do comboio do Harry Potter. Lá me enganei outra vez. Ainda bem. Volto para trás, viro para o outro lado e encontro o castelo, em ruínas.
Ao chegar a Tyndrum avisto o Welly Stop, o café que é ponto de encontro dos motociclistas da região. Umas dezenas de motos no estacionamento. Vou ver o que se passa. Vejo uma tenda com posters de motos. Está a decorrer uma acção de prevenção rodoviária para motociclistas, organizada pela IAM (http://www.iam.org.uk/) com o apoio da polícia.
Pergunto se posso tirar uma foto. Já tinham reparado na miúda que estacionou a moto do outro lado da estrada com um “P” colado na mala. Vens de Portugal? (este “P” faz milagres – obrigada João Krull). Conversa puxa conversa a acabo a experimentar as motos dos polícias.
Mais abaixo, a caminho do Loch Lomond aparece o Drovers Inn (http://www.thedroversinn.co.uk/), considerado o Pub mais antigo da Escócia, é um local onde ainda hoje há fantasmas e histórias. O interior é fantástico, dizem que está tal e qual como há séculos atrás. É também um hotel onde os fantasmas se divertem a pregar sustos aos hóspedes. Fantasmas, não encontro, mas o urso ainda cá está.
Por hoje acabou o passeio. Tenho de ir dormir mais a Sul para amanhã conseguir chegar à hora de almoço a Barrow. Sigo em direcção a Glasgow e apanho a auto-estrada. Começa a cair uma chuva miudinha. E vento. Já se torna desagradável passear. Vou indo para Sul, até aguentar. A chuva é cada vez mais forte e o frio cada vez mais frio. Está na hora de parar e encontrar alojamento. Desta vez fico por um Hotel de auto-estrada.
Depois e me instalar, vou à estação de serviço procurar óleo de corrente. Anda a fazer um ruído esquisito. Tinha trazido a lata de óleo que estava lá em casa mas descobri que estava no fim. Deu para por uma vez e depois, lixo. Vou tentar comprar uma, tantos km feitos e a corrente já dá sinais de cansaço.
Pois é, não há e nem vendem. Um funcionário, o Robert, também ele motociclista diz que só nos stands de motos é que vendem. A minha cara de aflita levou-o a perguntar se era grave. Digo-lhe que a corrente faz uns ruídos estranhos. Então diz que sai de serviço às 11 horas e que vai a casa buscar óleo de corrente para ajudar. E assim foi. Às 11h estou eu à porta da gasolineira e ele diz – já venho. 15 min depois aparece com o óleo. Vamos até ao Hotel onde tinha a moto parada mesmo à porta da recepção. O porteiro deixou pô-la no átrio para ficar mais segura. Lubrifica-se a corrente. Nem tenho palavras para agradecer. Ele vira-se para mim e disse – os motociclistas são mesmo assim !!!
Esta vida é um suceder de surpresas a solidariedade motociclista é demais, fantástica.
Cá está a foto do Robert, tirada pelo porteiro do hotel.
Seg 06 Junho 2011
No barco para Inglaterra um inglês com quem estive à conversa disse – ninguém vai a Barrow-in-Furness. Pois eu fui. E não me arrependi. Tinha combinado visitar o David e a Pauline, Amigos da Mónica Salgado (a minha Amiga motard que tem uma scooter eléctrica e num ano já fez mais de 10.000 km a electrões) que tiveram a gentileza de me arranjar alojamento na Ilha de Man. A pedido deles, levo uns pacotes de chá açoriano – Gorreana – que eles adoraram quando estiveram nos Açores. O caminho para lá atravessa o Lake District. Fabuloso. Quando não se espera, as surpresas sucedem-se. Na primeira paragem, em Penrith, descubro uma cidade lindíssima.
Depois, e sem ter planeado, atravesso uma passagem fantástica - Kirkstone Pass – Esta parte das Midlands não é tão agreste como a Escócia. Por entre as montanhas, a paisagem é verde, suave. Nos vales, as ovelhas animam os campos verdejantes. Florestas e casas em pedra fazem lembrar o Norte de Portugal.
Mais uma pequena cidade, mais uma agradável surpresa. Já me perdi várias vezes e falhei locais que pensava visitar. Mas encontrei outros. Uma paragem em Windermere e dou com uma cidadezinha deliciosa, casas antigas, very british. Passeio um pouco pelas ruas a ver o movimento, a ver as pessoas. O estômago dá horas. É tempo de almoçar, o menu dos poupadinhos nas pastelarias. Ando doida com as pastries, cada dia experimento uma diferente. São baratas, estão quentinhas e são deliciosas.
Uma hora depois chego à casa do David e da Pauline. Recebem-me com calor, contentes. Um casal que transpira bondade, amizade. Estão já na casa dos 70 anos. Foram motociclistas e também viajantes. A Pauline nasceu na Ilha de Man, conhecem a ilha aos palmos. Prepararam um mapa de Douglas, desenhado a lápis, com a direcção para a casa do Steve e da Jen, os Amigos deles que me vão receber na Ilha. A seguir oferecem-me um mapa da ilha, com o circuito das corridas marcado a vermelho e pequenos post-it colados nos melhores locais para assistir às corridas. E vários panfletos da ilha e um livro com a história das corridas. Passo aqui a tarde a ouvir histórias da Ilha de Man e a planear no mapa os melhores locais para assistir às corridas. O tempo passa num instante, a conversa não acaba. Eu gosto de conversar e eles também. Não me deixam partir sem jantar. Fazemos as contas às horas e dá para chegar a Heysham ainda de dia. Por aqui há luz até às 10h da noite. Tenho tempo de jantar e partir sem ter de conduzir às escuras.
O único ferry onde consegui reserva é às duas da manhã. Depois de uma centena de km ao pôr-do-sol, até Heysham, chego ao pequeno porto. Não está ninguém. Portas fechadas. Fez-me lembrar o aeroporto de Bissau que só abre quando chegam aviões. Por aqui também, mas são barcos. São nove da noite e ainda tenho um par de horas de espera. Estou gelada. Devem estar uns 5 graus. Saio do porto à procura de um lugar onde passar o tempo. Nem sei onde pois atravessei a pequena cidade sem ver ninguém. Logo na primeira rotunda há um Pub. Com a preocupação de encontrar o cais de embarque nem tinha reparado. Nem hesito, só penso que deve estar quentinho lá dentro. Vou fazer tempo e tomar um chá.
Toca o sino. São onze horas, tempo da última bebida. Sentada ao balcão, com o meu livro de notas, vou descarregando em letras os últimos dias de viagem. O Pub vai fechar e eu vou até ao porto ver se já abriu. Já lá estão meia dúzia de motos. Dão ordem para entrar no cais de embarque. Depois são 2 horas à espera para entrar no barco a ver um sem número de camiões de mercadorias a entrar no porão. Nunca mais acabam de entrar. Adormeço sentada em cima da moto. Acordo no chão. Caio eu e a moto. Nada de muito grave. As minhas malinhas novas, amachucadas. Ainda bem que são de alumínio. Se fossem de plástico, tinham-se partido. Andava o resto da viagem embrulhada em fita adesiva. Tenho tanto sono que nem me consigo aborrecer. Mais tarde penso nisso. A Ilha de Man está cada vez mais perto.
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Minha ricas malas Paula.... Como foste capaz de estrear assim umas malinhas novas???
ResponderEliminarComo sempre a crónica está do melhor... Fico a aguardar a continuação :)
Boas Paula
ResponderEliminarApenas para te dizer que estou adorar ler esta tua crónica
Pedro Silva
Que chatice essa história das malas.
ResponderEliminarAdorei aquela "De manhã ainda cheiro a óleo" AHAHAHA. Está excelente. Obrigado pela partilha.
Pedro Guimarães
Não posso crer...tantos kilometros e vais-me cair a dormir :-)
ResponderEliminarestamos a adorar, queremos mais.
Bjs
Leonor Rebelo e João
Olha que podias ter aproveitado o óleo dos Fish & Chips para a corrente! Fica prá próxima!
ResponderEliminarPara um tipo como eu que adormece onde calha não estranho nada a coisa de cair para o lado na moto... grandes malas! Nada que fita "amaricana" nã resolva até ao artesão nacional fazer a reparação!
A descrição das estradas serpenteantes com as respectivas fotos ficaram-me atravessadas. Isto sim, são as Highlands do meu imaginário! Na Barragem de Castelo de Bode andam a ver se arranjam uma Nessie mas na forma de crocodilo! Acho que vou comprar um barquito e passar a reforma a vender passeios em busca do bicho! Uma espécie de remake do Leão de Rio Maior!
Viajar não é só ir, chegar e voltar. Para mais, os pequenos acontecimentos de uma viagem dão aquele aroma que a podem tornar inesquecível e esses, por muito que se queira ou tenha projectado uma viagem, aparecem... do nada! São pequenos temperos que muitas vezes acontecem mas que também não menos vezes só se tornam possíveis de gozar se... formos sozinhos. Muito se fala das viagens e das companhias nas viagens mas os mais cépticos deviam experimentar. Não é preciso programar uma viagem à Lua mas experimentem fazê-lo. Disponham-se! E depois contem!
Best regards!
... waiting, waiting, waiting...
Bela viagem. Fizeste-me ficar com vontade de descobrir esses mesmos caminhos. Nota menos positiva para a "vaidade" de estar sempre a fotografar a vermelhinha. Beijos
ResponderEliminarMais uma vez bos meus Parabéns .Estou a adorar o relato da tua viagem e mortinha para saber o resto.As fotos estão magnificas.Tenho uma amiga que casou com um escocês motociclista e vive na escócia, vou lhe mandar o teu blog, eles vão adorar.Não sei se o chegaste a conhecer em Faro há uns anos atrás.Era o Jonhy que veio da escócia sózinho para Faro.
ResponderEliminarFoi mesmo pouca sorte teres caido, mas ainda bem que não foi nada de grave.Beijocas
Stela Pires
Paula, as tuas fotos e o teu relato fazem-me sentir uma grande saudade de voltar e dar mais uma volta por aí!!! Boa viagem!! Orlanda Lourenço
ResponderEliminarParabéns Paula, estou a adorar.:)
ResponderEliminarAs paisagens continuam espectaculares. A maneira como relatas as tuas passagens fazem com que "entre" na história e viva a "teu lado" os momentos.
Triste teres apanhado frio (que me arrepiou a alma, pois tenho pavor ao frio) e a situação de teres adormecido e "estriado" as malas; mas são isso mesmo; malas. O importante é que tu estás bem. :)
Aguardo por mais episódios.
Está 5*
Bjs Simone Marta