Isle of Man - Part I

Ter 07 Junho 2011

O barco atracou cerca das 5:30 da madrugada. Chove e chove e chove. Já é dia mas muito cinzento. E o frio ainda cá anda. Combinei ir bater à porta do Steve só pelas 10h da manhã. Achei que era muito desagradável aparecer lá de madrugada. Sento-me dentro do terminal dos ferrys a fazer tempo. Está quentinho aqui. Adormeci, um sono leve em que se ouve tudo à volta mas o corpo está desligado. Passadas umas horas começo a perceber o reboliço de pessoas e vozes. Já são quase 8h da manhã. O Pub em frente já abriu. Vou tomar o pequeno-almoço.

Vejo na TV que o mau tempo vai continuar hoje. Fico tão aborrecida que decido fazer qualquer coisa. Já que não consigo escapar à chuva, não vale a pena estar aqui sem fazer nada. Arranco para ver a Ilha. Subo para Norte até Ramsey. Sem querer dou comigo na estrada do circuito. Só tem um sentido. Não dá para voltar para trás. Tenho de fazer o percurso todo para voltar a Douglas de novo. A parte da montanha é assustadora. A estrada sobe até ao alto, uma vista sobre o mar espectacular, um vendaval que atira a moto de lado. Curvas largas e palanques de espectadores batidos pelo vento. Muitas faixas de publicidade, marcas do circuito e quase ninguém por aqui. O espaço é aberto, nos campos à volta qualquer um pode assistir de borla e onde quiser às TT Races, mesmo em cima do circuito. Estou a imaginar a vertigem de passar aqui a duzentos e tal à hora como fazem nas corridas.

E a chuva não pára nem as rajadas de vento. A descida para St Johns é feita por entre curvas à beira do precipício e cortinas de nevoeiro. Fico a pensar se não estarei bêbeda de sono para ter feito isto.

A Ilha de Man tem apenas 48 km de comprimento, 24 km de largura e 4 pequnas cidades em cada um dos pontos cardeais – Douglas, Castletown, Peel e Ramsey a norte. A capital deste governo autónomo é Douglas, local onde chegam e partem os ferrys que ligam ao UK e à Irlanda. É também a linha de partida para as TT Races.

São nove e meia. Arrisco a bater à porta do Steve e da Jean. Estão à minha espera. O David tinha ligado na noite anterior a dizer que eu chegaria de madrugada. Entro por ali dentro completamente encharcada e congelada. Nem sinto as mãos. Recebem-me efusivamente. O calor da recepção, o sorriso de bem-vinda aquece-me a alma. Com um chá quentinho, começámos logo à conversa. Já foram várias vezes a Portugal, adoram a comida, a região do Douro, Lisboa. São um casal já com mais de 70 anos, estão reformados, falam pausadamente. Moram numa colina com uma vista fantástica para o centro de Douglas e o porto. Em 5 minutos a pé estamos no centro da cidade. O cansaço de uma noite mal dormida e dos kms feitos numa semana fecha-me os olhos. Vou descansar.




Acordo, já passa das duas da tarde. O tempo mudou, a chuva foi embora, deixou um sol bonito a brilhar. O Steve diz que aqui, num só dia, podem passar as 4 estações do ano. De repente começo a sentir a ressaca de 11 dias seguidos na estrada, moleza e corpo dorido. Mesmo com o sol a convidar, vou deixar a moto à porta. Apetece-me caminhar, desentorpecer as pernas. Com o mapa na mão vagueio pela cidade. Estou esfomeada a pensar que tenho de ir ao supermercado e comer o que por lá houver. Logo à entrada da marginal há um restaurante italiano ainda com muita gente lá dentro. Faço o meu ar de estrangeira com fome, olhos cansados, pergunto se posso almoçar. A cozinha já fechou mas o rapaz simpático diz que pode servir um prato de massa. Devoro a bolonhesa. Quentinha, não sabe a óleo. Fico ainda mais mole.




A brisa cá fora devolve-me a vontade de passear. Na marginal só se vêem motos. Filas de motos estacionadas de um lado e do outro a perder de vista. No paredão junto ao mar está montada uma feira. Atracções barulhentas, rodas giratórias, carrosséis, barracas de tiro ao alvo, de peluches, balouços até ao céu, cada um com a sua música. A Ilha está em festa, não apenas para as motos mas para todos, grandes e pequenos.






A rua das lojas está apinhada de gente. Mas não às compras normais. Entram e saem das lojas de merchandising oficial, trazem t-shirts, blusões, bonés, sacos e sacos de recordações do centenário da Mountain Course. São roupas pretas e vermelhas com letras brancas brilhantes. Tudo muito caro.




O centro de Douglas tem apenas uma marginal frente ao mar (a promenade) e uma rua interior cheia de lojas (market street). Na parte mais alta da cidade passa a A2, a estrada que faz parte do circuito e onde está a linha de partida (o Grandstand), entre o Noble’s Park e o cemitério.

O centro da cidade está visto. Os bares ficam para mais tarde. Decido subir até ao grandstand. Há motos por todo o lado, estacionadas ao longo de todas as ruas, a circular nas estradas, o barulho dos motores é contínuo. Há festa na cidade!











Por detrás das tendas de merchadising e de bebidas está o paddock. Livre para ser visitado. Podem-se ver as máquinas, os campeões, a azáfama da corrida do dia seguinte. Brutal!

  





  


Mas o cansaço vence. Venho para baixo e passo pela estação do pequeno comboio que faz a ligação entre as principais cidades da ilha. Antigo o comboio e antiga a estação. Um mimo.






Para não passar fome vou ter de jantar muito cedo. Às 7h da tarde já os restaurantes estão cheios. Esta malta tem luz até às 10h da noite mas teimam em não aproveitar o dia todo. Pelas 8h da noite os bares começam a encher. Ainda dou uma espreitadela no Bushy’s, o bar mais concorrido da cidade. È uma tenda enorme mesmo no princípio da marginal. Tem movimento o dia todo mas ao entardecer enche-se de motociclistas, servem bebidas em copos gigantescos. As minhas pernas já não obedecem. Vou para casa.






O Steve faz um chá e sentamo-nos à volta do fantástico mapa que a Pauline fez para mim. Tem todos os locais interessantes onde se tem uma boa visão das corridas. Na TV anunciam chuva para amanhã. O melhor local para estar é lá no alto da montanha, antes de Ramsey, um sítio chamado Gooseneck. É num descampado, estaciona-se a moto na relva onde calhar e tem-se uma excelente visão para uma curva em “S” logo seguida de uma recta.


No meio da conversa o Steve diz que uma vez o circuito fechado, quem está no interior não pode passar para fora enquanto as estradas não abrirem. Estou a pensar na chuva que pode cair, pondero sobre onde vou comer, ter ou não casa de banho. Ficar o dia todo num descampado, sem comida, à chuva, não me apetece. Também nem me está a apetecer pegar na moto de madrugada para chegar lá antes de fecharem o circuito. Decido que vou ver as corridas dentro da cidade. Pergunto por um local que tenha menos gente. É difícil, diz o Steve. Mas aconselha-me ir para Braddan Bridge, cerca de meia hora de caminhada. Há lá duas igrejas e numa delas tem uma associação de voluntárias de caridade que fazem refeições. A igreja está aberta, pode-se usar o WC, vêem-se as corridas no adro e paga-se apenas 5 libras. Ora está resolvido. É mesmo para lá que vou amanhã. Ainda não são 11h da noite (ainda é de dia) e já ferrei o sono.


Qua, 08 Junho 2011

Acordo cedo para me fazer à caminhada. O Steve já anda pela casa e oferece-se para me levar lá. Que fixe. Saímos depressa porque a estradas fecham às 9:30h da manhã. As corridas vão começar às 10:30h. Ainda dá tempo para me mostrar o barco salva-vidas, o orgulho do Steve que pertenceu à tripulação durante 20 anos. Os “Lifeboats” são uma organização privada de resgate no mar, composta por voluntários. Acorrem a qualquer embarcação que esteja em perigo. Vivem de donativos e da venda de merchadising. Não querem nada com o Governo. Têm vários mecenas, gente de muito dinheiro que em alguma situação já foram resgatados das ondas por estes voluntários.





O circuito original das TT Races (Tourist Trophy) foi alargado à estrada da montanha - Mountain Course – em 1911. Tem 37 milhas (cerca de 60 km) de comprimento, é feito totalmente em estradas públicas e o ponto mais alto sobe até 420 metros acima do nível do mar.

Braddon Bridge é um entroncamento onde o circuito sai da cidade. Tem uma grande curva e uma recta. A igreja está bem situada na saída da curva e dá uma boa visão para a recta e o acelerar dos campeões. Encontro o que não esperava. Este espaço é frequentado pelos locais da ilha, pelos veteranos das corridas. Motociclistas, famílias, um ambiente fantástico. Nas paredes estão montados os altifalantes ligados à rádio local. Para se saber o desenrolar das corridas, o único meio é a rádio. Bem alto, os locutores vão informando que a estrada da montanha já fechou, que daqui a meia hora fecham as ruas da cidade, quais os participantes da 1ª corrida, a Supersport TT Race 2.









Os espectadores trazem as cadeiras da igreja cá para fora, alinham-se quase em cima da estrada. Conversam sobre os campeões, conversam sobre os anos anteriores, fazem croché, lêem o jornal, crianças brincam no relvado. As senhoras da associação montaram, na sacristia, um verdadeiro refeitório. Cada uma cozinhou a sua especialidade. Uma mesa enorme cheia de doces, chá, café e bebidas. Ao almoço servem refeições quentes, cozinha típica de Manx.






Vou passeando por ali a ver toda a animação de pessoas. Encontro uma cadeira vazia e sento-me. O tempo está cinzento, ouve-se na rádio que chove na montanha. A partida foi adiada. Passado um bocado já estou à conversa com a Chrissie, uma inglesa que vive há 15 anos na ilha. Conta-me que tirou 2 semanas de férias. Não perde as corridas por nada. Adora a agitação, adora as motos, vive esta época como se fosse Natal. Conhece muitas das pessoas que por ali estão. Finalmente, perto do meio-dia, dão o sinal de partida. Corro para junto do muro e preparo a máquina fotográfica. Ouve-se o rugido dos motores a aproximar-se. Aparecem quase deitados, a fazer a curva, aceleram e perdem-se de vista num instante. Não consigo apanhar nenhuma moto na fotografia tal é a velocidade.




As motos vão passando aos poucos. Nesta corrida não partem todos ao mesmo tempo. As motos partem em intervalos, têm de completar quatro voltas (um total de 240 km) e só se sabe quem é o vencedor depois de somar os tempos das 4 voltas.

A rádio vai gritando a posição dos corredores mais rápidos, os tempos e a velocidade média. Não admira que seja difícil de os apanhar na foto, estão com uma velocidade média de 211 km/h. À segunda volta lá consigo fazer umas fotos mais razoáveis.





O locutor anuncia que está de novo a chover na montanha e que houve um acidente. As corridas foram interrompidas. Mais um par de horas à espera e mais conversa, agora já num grupo maior de amigos que me perguntam sobre Portugal. De repente todos se levantam. A rádio anuncia que as corridas foram adiadas para amanhã por causa da chuva. A Chrissie pergunta-me se quero boleia para a cidade. Ela vai para o paddock ver a animação. Diz que é costume, depois das corridas os campeões estarem lá a dar autógrafos.

Chagamos lá e é uma agitação. Filas de pessoas para ter um autógrafo, para falar com os corredores. É um nunca mais acabar de motos e de gente. A Chrissie comprou uma T-Shirt quando veio para cá morar, há 15 anos, e desde aí que colecciona autógrafos. Tem a T-Shirt quase toda escrita. Mas ainda lhe faltam alguns. Eu que nunca tive jeito para paparazzi nem tão pouco conheço o nome dos campeões, arranjei a guia perfeita.

O Nicky Haiden está a dar uma sessão de autógrafos no stand da Dainese. Lá vai a Chrissie para a fila de espera. Eu vou para a frente, de máquina em punho tentar gravar o momento. Junto à porta está um monte de fotógrafos oficiais. Mal consigo furar. Vou sussurrando aos fotógrafos se me deixam passar. Vim de Portugal para ver os campeões, é a minha primeira vez. Faço um ar de garota de olhos arregalados e chego à primeira fila.



A Chrissie não cabe em si de contente. Parte logo para o próximo. Ela sabe onde são as boxes dos mais importantes. A seguir fazemos uma espera ao Mickael Dunlop. Mais uma foto. Continuamos por entre as boxes à procura de não sei quem. Pelo caminho encontramos um amigo dela que faz parte da trupe dos Purple Helmets. Tiro-lhe outra foto e pergunto quem raios são eles. Leva-me a um stand que vende exclusivamente vídeos de corridas e motos. Lá descubro.



A seguir andamos por ali a cheirar se há mais autógrafos. Passa por nós um tipo de scooter. Parou para falar com alguém, mesmo aqui ao lado. A Chrissie diz que é o John MacGuiness. Lá vai mais uma foto. Continuamos por ali e dou com o stand de uma equipa da BMW. Penso logo que os meus amigos haveriam de gostar de uma foto mais especial. Estou à porta a tentar fotografar quando um dos membros da equipa me diz que posso entrar. Nem hesito, tiro uma fotografia bem de perto. Entusiasmada com a história dos paparazzi pergunto se há alguém famoso ali. O mecânico que me disse para entrar apontou para um tipo sentado. Ele vai ser muito famoso. É um futuro campeão. Olho para o “ele” e o rapaz levanta-se para a foto com um ar resignado. Pronto, também apareço com campeões. Afinal o rapaz é o Rico Penzkofer, uma das promessas do campeonato alemão e mundial.



No programa das corridas vi um participante com nome português. Vamos ao stand da equipa dele mas não está lá. Até que gostava de encontrar um Tuga por aqui. Mais um passeio e dou com o Mick Grant a autografar o seu livro. Este nome já me é conhecido. Paramos à conversa com ele. Claro, foto para a posteridade.


Pelas 5h da tarde a Chrissie diz que tem de ir. Vai sair à noite com uns amigos e convida-me também. Mas ainda é muito cedo, digo eu. Ela responde que combinou às 8h no Bushy’s. Aceitei o convite. Mas continuo a pensar que estes ingleses são esquisitos. Em Portugal, a essa hora ainda nem jantei. Ela vai e eu fico por aqui mais um bocado.










Depois de encontrar um sítio para jantar uma pizza com um preço razoável, e depois de conhecer mais um inglês que acha que eu sou lisboeta de Espanha, vou ao encontro da Chrissie. Pelo caminho encontro o grupo dos meus amigos Tugas do grupo dos Motorraders do Facebook. Fico à conversa um bom bocado. Estão de partida, o barco é às 11h.

Já atrasada e com a Chrissie à minha espera, lá vou eu para o Bushy’s. Pelo caminho vejo um rapaz com uma bandeira de Portugal pelos ombros. Claro, mais conversa. Estão com um senhor que tinham encontrado no ferry e é português. Ao que parece, vivem e trabalham aqui muitos portugueses. Esta marginal de Douglas é uma surpresa constante. Acabo a ir directa para o Jack’s, para uma noitada até à 1h da manhã. Aqui é uma grande noitada. Lá em casa é costume apagar a TV a essa hora. Outros países, outros costumes. Amanhã volto às corridas. Vou para o mesmo sítio. A Supersport TT Race 2 ainda vai fazer as duas voltas que faltam, depois são os side-cars e ainda vai haver a TT Zero (motos eléctricas) e parada dos veteranos. As simpáticas senhoras deram um passe de livre entrada para quem lá esteve hoje. Estou fã daquele local.



3 comentários:

  1. Muito bom...deve ter sido um ambiente fantástico...

    Mais uma vez obrigado pela tua partilha!!

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  2. Cucu!

    Gostei muito do que li e vi até agora! Obrigada pela partilha. Não sei se irei à ilha mas se for é só porque não estará em época de corridas...
    Vou continuar a acompanhar até eu própria partir para aquelas bandas! ;-)

    Beijucas mil

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  3. Obrigada Paula por mais este bocadinho (grande) da tua crónica. Gostei de ficar a conhecer a Isle of Man, por ti. Já dá vontade de lá ir com o Rui. :)

    Adorei a 1 parte. Agora aguardo pela segunda, que acredito que será de igual altamente!
    Bj :)
    Simone Marta

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