Long Way Up

Quando se começa uma viagem o entusiasmo é enorme. A estrada está no princípio, é nossa. Pelo caminho, km a km, a cabeça vai limpando, a rotina do dia-a-dia fica para trás. Passo a fronteira para Espanha e já estou em modo ZEN. O mundo está à minha espera, o horizonte não tem limites. Vou andando devagar, a apreciar o vento morno, os cheiros da terra, olhar longe, espírito de férias.

Sexta – 27 Maio 2011


O plano é passar dois dias a vaguear por Espanha e França. Devagar. Acabo o dia em Fromista, uma pequena localidade que faz parte da rota dos Caminhos de Santiago. Depois de me perder, claro.


Lá consegui arranjar alojamento numa pequena residencial. A dona da residencial estava no restaurante a beber copos. Foi comigo mostrar o quarto e desandou outra vez para o restaurante. Residencial vazia, um número de telefone na porta para o caso de me esquecer da chave.


Está tudo doido. Pediram-me 8 euros por um pequeno-almoço. Recusei. Fui a uma pastelaria e pedi um croissant - 1,60 Euros …. Se comer lá dentro mas se trouxer para fora já é apenas 1 euro … vim comer para a rua, claro. Depois fui à mercearia e comprei uma maçã por 35 cêntimos. Pequeno-almoço despachado e com vista para as cegonhas.


Não me consigo livrar das auto-vias. É um tédio andar nelas. Não se passa nada, tudo nos limites de velocidade, a paisagem muito urbana, vilas, cidades, fábricas, zonas industriais. Até os campos estão repletos de postes de electricidade. Nem dá vontade de olhar. Um tédio. Bem olho para o mapa a ver se me consigo escapar, mas a alternativa é uma teia de estradas, para cima e para baixo, as nacionais não vão na direcção que eu quero. As auto-estradas são mesmo um aborrecimento! A única coisa que anima a viagem é contar os insectos que esbarram violentamente contra o capacete e escorrem pela viseira.


Lá vou olhando a paisagem e o que se passa à volta da auto-via. Entre Vitória e Irun reparo num pormenor engraçado. Por todo o lado havia CLUBs com nomes sonantes, tipo Las Vegas – um restaurante com estacionamento cheio de camiões e Club ao lado. Pensão e Club ao lado. No meio do nada, à beira da estrada, Club. É a região dos Clubs.

O mais engraçado é que sem fronteiras já nem sei onde estou. Numa rotunda tenho a sensação que me enganei. Paro junto a um lago, perto de umas casas e fico a olhar para o mapa. Passou um transeunte e perguntei .. olá, puedes aiudar? … o tipo fica a olhar para mim ….. Pardon? … raios, já estou em França, nem dei por isso, tal foi a confusão de trânsito. Puxei do meu francês da escola e lá me entendi. Pois, afinal era na outra à direita e finalmente entrava na nacional, ao longo da costa. No mapa a estrada tinha bom ar, tipo rural, junto às praias. Grande engano. Até parecia que estava no Algarve, só com prédios mais baixos. Zona de veraneio, malta na praia, um frio de rachar.

Mas agora não vale a pena voltar para trás. Bordéus é já ali à frente. Paro numa pequena vila, com ar de postal ilustrado, já uns bons km mais acima. Está a anoitecer e tenho receio de não encontrar alojamento. Corro todos os hotéis e escolho o mais barato. Tem um restaurante por baixo e cheira a “moules” (amêijoas) …… hummmm … olho para a ementa e engasgo-me com o preço. Fico pelo prato do dia.



Isto de ter malas novas é um luxo. Como tinha espaço, trouxe roupa … a mais. 3 t-shirts de secagem rápida mais 4 de algodão … e são 4 a mais. Ainda só sai há 2 dias e o raio das 4 t-shirts já me pesam o arrependimento. Chego à noite, lavo a camisolita de secagem rápida, de manhã está pronta a vestir, a cheirar a sabão azul e branco, parece a aldeia da roupa branca. Ainda vou largar as t-shirts de algodão por aí.

Dom 29 Maio 2011

Depois da desilusão da costa oeste francesa, estava com pressa de rumar a Norte. Até Saint Malo, pelo interior da Bretanha, a estrada é monótona, bem diferente da costa que eu conheço de outras viagens. Paisagem verde, paisagem amarela. Pequenas vilas, uma torre de igreja. É Domingo, está tudo fechado. Nem vivalma. Estou a ficar sem gasolina. Postos fechados, vila após vila, a reserva a piscar.

Finalmente uma patisserie aberta e gente à porta. Pergunto por um posto de abastecimento. Indicam-me um lá atrás - Está fechado, disse eu. Não, abasteces com cartão. E agora? Não sei se o meu cartão dá na bomba … um casal muito simpático oferece-se para ir comigo. Usou o cartão e dou-lhe o dinheiro. Fixe. Ainda ficamos um bom bocado à conversa.

Chego ao terminal dos Ferrys às 9 da noite. Ninguém à vista, tudo deserto, o terminal parece fechado. Mesmo assim tento a entrada, pelo menos vejo a hora em que abre amanhã. Afinal as portas automáticas abrem. O único balcão aberto é o da Condor Ferrys e lá vou eu perguntar os horários. Tinha saído um barco há 1 hora atrás para Portsmouth. Raios, falhei por pouco. E o pior é que o próximo é só amanhã à noite.

Faço uma cara tão desanimada que o funcionário me pergunta de onde venho. De Lisboa, directa aqui. Arregalou os olhos – grande viagem, disse ele. Vou ver o que se pode fazer. Afinal há uma alternativa. Consigo uma viagem a saltitar em dois ferrys e a passar pelas duas ilhas ao largo da costa – Jersey e Guernsey, com chegada a Weymouth às 3 da tarde. Fixe, vou fazer um cruzeiro pelo canal.

Depois é a odisseia de arranjar alojamento. St Malo é uma cidadela entre muros altos, e estradas empedradas. Com a chuva miudinha a cair, adivinho umas escorregadelas ali dentro, numa ruela qualquer. Não arrisco a entrar. Vou andando ao longo da enorme muralha até à parte nova da cidade. Muitos hotéis e muito caros. Zona turística, terminal de barcos, fora de orçamento, claro.





Lá encontro um hotel que me pede apenas 25 euros. Sem chuveiro, apenas um lavatório no quarto. Para tomar duche são mais 3 euros. O quarto é no 3º andar e o chuveiro no 1º andar, uma escada estreita e íngreme. São 10 horas da noite, tenho de me levantar às 5 da manhã. Serve, pelo menos é limpo.

Depois outra cruzada para encontrar jantar. Tenho o estômago colado às costas e tonturas de fome e de quase 700 km feitos. O único restaurante aberto tem um menu com preços de ricos. A fome falou mais alto.

Um empregado simpático trás a carta mas eu não tenho os óculos. Pareço uma anormal com o menu colado ao nariz. Lá percebo um prato que custa menos de 10 euros, mas não sei o que é. Comida de certeza. Pergunto o que é, fico na mesma. Arrisco.

Divina surpresa. Uma salada fantástica, com atum fresco e salmão. Era mesmo isto. Devoro a salada, um chá de menta e hotel. Uma maratona, escada abaixo, escada acima, banho e cama. Amanhã já vou pôr o pé em terras de sua Majestade.




Seg 30 Maio 2011

Libras, milhas, jardas e pés, bem-vindo ao país do contrário. Conduz-se pela esquerda, a estrutura da língua é inversa, é tudo diferente. O primeiro contacto com o país do contrário foi na ilha de Jersey, a 1ª paragem do ferry, às 8 da manhã.


Tenho 1 hora para o transbordo e aproveito para dar uma volta pela Ilha. Não consigo passar da marginal da baía de St Helier, estou sem gasolina. È muito cedo e está tudo fechado. Vou a um posto de abastecimento e peço para abastecer. Só abre às nove, diz o empregado com voz aborrecida, continuando a arrumar latas de óleo. Nem vira a cara. Peço novamente, olha para mim e para a moto. Já estava a desistir quando ouço falar português: És Portuguesa? Abro a boca de espanto. Afinal falava português, é casado com uma portuguesa e conhece bem Portugal. O autocolante com o “P” colado nas malas salvou-me. Abriu as bombas, abasteci e descobri que a gasolina é bem mais barata aqui.




A 2ª paragem na Ilha de Guernsey é só para ver passageiros a desembarcar. Finalmente, às 3 da tarde chego a Weymouth. Logo para começar bem, 1 hora para sair da cidade. É feriado, está tudo na rua, uma fila de carros enorme.

Tenho dois dias para chegar a Edimburgo. Decido fazer passeio até lá. Uns velhotes no barco recomendaram uma visita a Salisbury, com uma catedral muito bonita. Lá vou eu de mapa na mão a pensar que é fácil. Grande engano, grande desilusão. O sul de Inglaterra é um emaranhado de estradas e auto-estradas.


Não percebo nada das indicações, descubro que quase tenho de decorar o mapa para me orientar. Pergunto por vilas ou cidades e ninguém me sabe dizer.

Tal como a condução é pela esquerda, até saber direcções tem uma característica própria. Depois de andar perdida por um par de horas, a perguntar direcções, percebi que geografia para os ingleses é coisa complicada. Por um lado, as placas apenas dizem a localidade logo a seguir. Não indicam a cidade maior da direcção. Perguntar a um inglês é ficar na mesma. Não conhecem. Mas finalmente, descobri que se perguntar o número da estrada todos sabem. Que estranho. Nomes de localidades, zero. Números, tudo.

O truque é saber o número da estrada, depois saber os pontos cardeais. M3 Norte ou Sul, A35 Oeste ou Este. Eu que nunca me preocupei em saber o Este e o Oeste, ando mesmo baralhada com as agulhas ao contrário e ainda tenho de saber para que lado vai a estrada.

Incrível, ninguém me soube dizer o caminho para Salisbury mas quando perguntei pela estrada A338, a resposta foi rápida – apanhas a A35, depois a A31 e então a A338.

Quando chego a Salisbury, não encontro a Catedral nem ninguém nas ruas. Descubro que a catedral está completamente murada e encerra às 5 da tarde. São 7:30h da tarde e o mundo já fechou. É peripécia descobrir alojamento e arranjar jantar. Os B&B estão todos cheios, no único que tem vagas pedem-me 50 libras. Raios. Por esse preço, vou para um Hotel.

No 1º que perguntei tinham quartos. Mas pediram-me os detalhes do cartão de crédito, ou seja, número e código de segurança. Estão doidos, não vou dar essa informação. Qualquer pessoa que apanhe a folha pode usar e abusar das minhas economias. Tento explicar à gerente que não era seguro, que pago adiantado e em dinheiro, mas não consigo. Não fico aqui. Esta malta é maluca. No 2º Hotel, a recepcionista é mais simpática. Tem quarto, pago já e não me exige o nº do cartão. Melhor assim. E até tem um restaurante com muito bom aspecto. Fico por aqui. A primeira experiência neste país foi desgastante. Quero dormir.

Ter, 31 Maio 2011

Saio para a estrada cedinho. Nem tento visitar a cidade. Irritou-me andar perdida ontem. Stonehenge é muito perto, vou lá dar uma espreitadela. Mas perdi o Norte. Esta zona deve ter um magnetismo muito forte. Tão intenso que baralhei os pontos cardeais. Troquei a esquerda e a direita. Engano-me na estrada e acabo num bairro residencial, completamente perdida. Devo ter passado mesmo ao lado do círculo de pedras e nem dei por ele.

Pronto, paragem e escrever num papelinho o número das estradas. A303, depois A34, apanhar a M40, saída 15 ir pela A46, pareço um robot a decorar números e a repeti-los para não me esquecer. Pela 1ª vez na vida sinto falta de um GPS. Já nem volto para trás. Que se lixem as pedras.

Consigo finalmente chegar a Lincoln, pequena cidade que me falaram ser interessante. Tem uma enorme Catedral e o Castelo onde está guardada uma das cópias da Magna Carta.







Estrada de novo, rumo a York, o destino final do dia. Chego ao final da tarde e encontro a pousada de juventude depois de muito perguntar. Os rapazes da recepção são simpáticos. Digo-lhes que venho de Portugal, cara de exausta, arranjam-me um quarto que não tem ninguém. Fixe.

York é uma pequena cidade com um centro histórico preservado, tal e qual era há séculos. Ruas em laje de pedra, casas de traça antiga e … mais uma Catedral.








Qua, 01 Junho 2011

De manhã passeio pela cidade. É cedo e está pouco trânsito. Lá pelas 10h da manhã sigo para a M1. Até Edimburgo é um martírio. Vendaval, chuva e muito frio. Um gelo! O vento lateral empurra a moto. Um pavor. Para compor o ramalhete, a M1 parece uma pista de camiões. Enormes, com atrelados, uma fila de camiões a ultrapassarem mais camiões. Giro é ver as três faixas ocupadas por camiões, andamento lento, uma fila de carros atrás. Já percebo porque na Índia os camiões são os reis da estrada. Influência inglesa.


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9 comentários:

  1. tu e as tuas crónicas deliciosas!!! :) :) :)

    queremos mais! queremos mais! queremos mais! queremos mais! queremos mais! queremos mais! queremos mais! queremos mais! queremos mais! queremos mais! queremos mais! queremos mais! :) :) :)

    Obelix

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  2. Olá Paula. Muitos parabéns por esta viagem!! Venha o resto. ;)

    "V"

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  3. Olá Paula,

    Hummm, gosto disto...

    Obvio que estou à espera de mais...

    Quem sabe, no próximo ano, não vai ser este, o Plano B a por em práctica ;-).

    Nada que não me tivesse já pela ideia.

    Luis Amaral

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  4. Olá Paula. Mais uma excelente viagem e para mim, como leitor, mais uma excelente descrição. Estás de parabéns (como sempre).

    Pedro Guimarães

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  5. Esqueci-me de dizer: Venha o resto....

    Pedro Guimarães

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  6. Olá!
    Já andava a achar que esta crónica nunca mais aparecia!!!
    Muitos parabéns, está a ser óptimo recordar estes locais maravilhosos através das tuas palavras.
    Hei! Eu avisei que às 18h já tinhas de saber onde dormir... esses B&B não estavam cheios, eles é que por e simplesmente não aceitam ninguém a partir das 16h30/19h.
    Ansiosamente à espera do resto,
    Beijinhos
    Susana.

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  7. Olá Paula,

    Num bocadinho conseguistes levar-me a "sair" do Escritório e a passear por Terras de Nossa Majestade.
    Como habitual, é muito agradável a leitura dos teus textos...5*****
    Agora, que venha o resto que eu tenho que voltar a justificar o meu ordenado :-)
    Bjs

    Fábio (Motoevasão)

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  8. Paula!Uma bela de uma viagem, estou a perceber...
    É como se estivesse lá, pelas tuas palavras. Como se diz em bom português; "tou-mêma-ver!"
    Bjnhs
    João Rei

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  9. Parabéns Paula está óptima. Gosto!
    Vou ver e ler o resto, que de certeza estará altamente! :)
    Beijinho

    Simone Marta

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