Isle of Man - Part II

Qui, 09 Junho 2011

Os ingleses não usam cortinas nem estores nas janelas. Significa que, para quem (como eu) não consegue dormir com luz, aos primeiros raios de sol, os olhos abrem. Bem cedo, a madrugada desperta por aqui e bem cedo eu acordo. A partir das 5.30h da manhã escondo-me debaixo dos lençóis a tentar dormir mais um bocado. Sem sucesso. A luz do amanhecer, a excitação de mais um dia para passear impede os olhos de fechar. O cansaço é substituído pela adrenalina da estrada, de tudo o que ainda há para ver.

Salto da cama de madrugada. Já há barulho pela casa, cheira a café. Às 7h da manhã estou a tomar o pequeno-almoço. Hoje, as corridas só começam depois do meio-dia. Tenho a manhã toda por minha conta. Vou passear, conhecer a Ilha. Escolho ir para Sul, o Steve diz que há locais muito bonitos para ver. Cá fora está um friozinho que acorda todos os sentidos. Gosto de sair cedo, sentir o dia a começar, o reboliço dos madrugadores. O sol vai subindo no horizonte. O céu tem um azul lindo. Dois dias a andar a pé, a estrada chama por mim.

Logo à saída de casa há uma rotunda com uma placa a dizer – Castletown. Significa para Sul. Numa estrada junto à costa, apenas 15 km e estou na pequena cidade piscatória com um lindo castelo.









Um pouco mais abaixo, depois de parar vezes sem conta para admirar a paisagem, estou em Port Erin, de onde parte a estrada até ao extremo Sul da Ilha. The Sound, chama-se o ponto onde se tem uma vista fantástica para outra ilhota – Calf of Man – uma pequena ilha deserta e reserva de pássaros. Dizem que no cimo do farol da pequena ilha, se consegue avistar a Irlanda de um lado e Inglaterra do outro.






Na vadiagem pela Ilha até me esqueci das horas. De repente percebo que se quero ver as corridas, tenho de voltar a Douglas. Agora estou mais à vontade, ontem fiquei a saber como se chega a Braddan Bridge, sei que há parque de estacionamento lá e não tenho o problema das estradas fecharem porque estou da parte de fora do circuito. Chego ao meu local favorito e vejo algumas motos a dar a volta junto á entrada. Já não deixam entrar. Não me apetece deixar a moto no cruzamento lá em cima. Vou arriscar e fazer-me de despercebida. Aponto a roda para a grade da entrada. Vem logo uma senhora dizer que já não há espaço. Abro a viseira, tiro o cartão de livre entrada que me tinham dado ontem. A senhora olhou-me com um sorriso. - Você é a rapariga que veio de Portugal, vi-a cá ontem. Venha, vamos arranjar um lugar para deixar a moto - E entro para o parque da igreja, para inveja dos que ainda estão a virar para trás. Isto de ser portuguesa em terras distantes é um luxo. E a minha vermelhinha ficou em excelente companhia.




Tenho o estômago colado às costas e o pensamento fixado nos petiscos que as senhoras da associação da igreja fizeram. Ainda tenho uma meia hora até as motos começarem a passar. Vou direitinha à sacristia de nariz no ar. Uma sopa de legumes que parece feita pela minha avozinha, uma “roasted potato” gigante recheada com chili com carne, salada, o paraíso. Nada cheira a óleo, tudo cheira a – quero mais. A primeira refeição decente que faço neste país. Como até conseguir. As corridas estão a começar, sou quase a única cá dentro. As senhoras olham para mim com ar maternal. Devo estar com cara de quem não come há 1 semana. Verdadinha pura. Ainda experimento dois doces. Café. A surpresa do dia – tudo isto por menos de 5 libras. Estou mesmo fã desde sítio.




Já se ouve o barulho das motos a passar na estrada. Cá fora os altifalantes gritam as posições da partida, quem está a passar onde. Todos estão de olhos postos na pista. O mesmo ambiente de ontem. Depois da 1ª volta, é a espera até as motos darem a volta ao circuito e passarem outra vez aqui. A Chrissie também cá está. Começam as conversas. Hoje já cumprimento muitas pessoas que conheci ontem. Conversa puxa conversa e vou conhecendo mais pessoas que me perguntam - É a rapariga que veio de Portugal?





Ando por ali a saborear a dinâmica do evento. Lá vêm as motos outra vez. Passam rápido, muito rápido. Tento tirar mais umas fotos mas desisto. Não tenho máquina fotográfica para isto. Sento-me no muro da igreja e vejo-as passar. Quase lhes toco. È mesmo na 1ª fila. Bem diferente de um autódromo.



Quase todos têm um livrinho na mão, com a grelha dos participantes. Vão anotando os tempos de cada volta dos corredores, fazem comparações, atiram prognósticos. O rádio é uma peça fundamental nestas corridas.


Um dos marshals (comissários de pista) vê-me de máquina pendurada. Sem bateria? Pergunta. Explico-lhe que desisti porque eles passam muito depressa. Ri-se e diz-me que do outro lado da rua há um cemitério, tem um caminho por dentro que vai dar mesmo em cima da curva. Apanho as motos em desaceleração, são mais fáceis de apanhar na foto. Vou espreitar.

O acesso ao cemitério é livre. Podem-se ver as motos a passar sem pagar. Um caminho por entre lápides de pedra lisa, algumas bem antigas, escurecidas pelo tempo. Encontro muitas pessoas aqui, a ver as corridas, sentadas nas campas, na relva, descontraidamente. Está um velhote sentado num jazigo alto, parece que está numa bancada VIP. Não sei se é insólito ou divertido. Lá diferente, é!




Há um espaço livre junto a um pilarete do muro. Apoio a máquina e consigo fazer umas fotos mais decentes.



Ao meu lado está um grupo de 4 ingleses. Um deles tem uma máquina de cano comprido. De cada vez que dispara põe um sorriso de contente. Espreito para o ecrã e vejo fotos fantásticas. Diverte-se a fazer zoom para ver a qualidade. Desanimei outra vez. Bom, quem não tem cão, caça com gato. E quem tem boca, vai a Roma. Meto conversa e elogio as fotos dele. Começamos à conversa. Chama-se Ian Mcnee. Digo que sou portuguesa, que é a 1ª vez na Ilha, que estou a adorar isto tudo. Logo a seguir disparo …


És fotógrafo profissional?
Não, apenas gosto de fotografia e de corridas.
Podias enviar-me algumas das tuas fotos para por no meu blog …
Yes, no problem

Bingo. Ele diz que sim. Arrumo logo a minha máquina. Passo o resto da tarde na conversa com eles. Vejo as restantes voltas dos side-cars. Passam na curva de roda levantada, o pendura a fazer acrobacias para estabilizar a máquina. Fantástico. Mesmo aqui à frente dos olhos.

E agora. Com umas fotos fantásticas.

Photo by Ian Mcnee 

Photo by Ian Mcnee 

Photo by Ian Mcnee 

Photo by Ian Mcnee 

Photo by Ian Mcnee 

Photo by Ian Mcnee 

Conversa e conversa, é a vez das TT Zero. Estas passam mais devagar, cerca de 140 km/h, parecem quase paradas comparadas com as Supersport. Só dão uma volta ao circuito. Mas acho fantástico haver esta prova. Daqui a uns anos, respiramos todos melhor.

Photo by Ian Mcnee 

Photo by Ian Mcnee 

Photo by Ian Mcnee 

Na conversa com os quatro motociclistas de Manchester fiquei a saber muitas coisas sobre a Ilha e as TT Races. A época de corridas é uma romaria obrigatória para os motociclistas ingleses. Garantir um lugar no ferry é um exercício de nervos. Os alojamentos esgotam quase um ano antes. Nesta época, os residentes disponibilizam as suas casas para alojar quem queira cá vir. Todos os anos, o Turismo publica uma lista de pessoas dispostas a dar cama e pequeno-almoço. Também os parques de campismo são reservados com grande antecedência. É uma febre. Quem mora junto à estrada do circuito até aluga os quintais. Montam palanques e cobram para ver as motos na 1ª fila.

Na Ilha, fora das localidades, não há limite de velocidade. Na semana dos treinos é a loucura total que tem o auge no “Mad Sunday”, o Domingo em que a polícia fecha o circuito (com apenas um sentido) e todos podem entrar e competir uns com os outros. Carros com carros, motos com motos, carros e motos, todos na maior velocidade que conseguem. Alguns vêm à Ilha apenas para esse dia. Dizem que até há quem venha cá … para morrer.

A mística das TT Races não é apenas as corridas. Todo o ambiente é viciante. Respira-se motos por todo o lado. Os últimos modelos convivem com as relíquias do passado. Novos e velhos cruzam-se no mesmo espírito: as duas rodas.










São 7h da tarde. Ainda vão passar as motos antigas dos veteranos. Mas eu vou embora. Despeço-me das simpáticas senhoras da igreja com a promessa de voltar. Adorei este local. Tenho de enfiar tudo nas malas de novo. Acabou-se o descanso. Amanhã é dia de voltar à estrada. O ferry é de madrugada.

Sex 10 Junho 2011

Mal dormi com o nervoso de não acordar a horas. Se perder o ferry tenho de esperar uma semana até ter lugar noutro. Hoje é o último dia de corridas e a malta começa a regressar. Todos os ferrys estão esgotados. Não posso arriscar. Tenho 4 dias para estar em casa de novo.

Hoje o dia começou às 4:30h da madrugada. Cedo, muito cedo porque tenho de estar às 5h da manhã no porto para apanhar o ferry. Aqueles desgraçados obrigaram o pessoal a estar lá 2h antes … e levou mesmo 2h a carregar o ferry com tanta moto. Não cabia nem mais uma agulha naquele porão.





O barco está cheio de pessoal a dormir nas cadeiras. Madrugadores cansados e com olheiras. A ressaca de uns dias sem parar. Mais um cruzeiro pelo mar, uma vista interessante para as plataformas de petróleo. Acabo a dormir uma soneca de 2h até Inglaterra. Na descida até ao Sul ainda vou dar uma espreitadela ao País de Gales.







2 comentários:

  1. Parabéns Paula Kota.:)
    A segunda parte da tua passagem pela Ilha está fantástica.
    Gostei das fotos e gostei como relatas os acontecimentos. A parte de ver as corridas no cemitério está fixe! hehehe... :D
    Acima de tudo gosto de ler o que escreves, porque tens uma facilidade de nos "envolveres" (leitores) na tua história, viajando a teu lado.
    Está 5* estrelas :)

    Beijinho
    Simone Marta

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  2. Espectaculo...não tenho mais palavras...curti as fotos do ferry...ehehe

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